terça-feira, 6 de setembro de 2011

Intercâmbio de Estudantes Negros


Secretária adjunta do Departamento de Educação dos EUA diz que práticas são inaceitáveis em qualquer grau
Intercâmbio de Estudantes negros
A visita da secretária adjunta para os Direitos Civis do Departamento de Educação dos Estados Unidos, Russlynn Ali, pode render bons frutos para estudantes brasileiros. A expectativa é que ela dê um pontapé inicial para um intercâmbio academico entre universitários negros brasileiros e americanos.
Durante a sua permanência no país, a secretária cumpriu uma agenda intensa. Na segunda feira passada (29/8), ela esteve na Universidade Zumbí dos Palmares, em São Paulo, primeira instituição criada e voltada para negros no país, gostou da experiência e elogiou o apoio de autoridades brasileiras à iniciativa.
Na terça-feira, participou de um evento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pioneira na implantação de um sistema de ações afirmativas no Brasil. Na ocasião, Russlynn conversou com professores e estudantes cotistas e ficou bastante impressionada com o que ouviu. Ela elogiou as iniciativas.
A viagem serviu também para a troca de informações com pesquisadores brasileiros, como Marcelo Paixão, coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Histórias, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser). Ali também ficou particularmente interessada pelo Estatuto da Igualdade Racial e pelo programa de distribuição de renda Bolsa Família.
Em Brasília, a secretária adjunta teve encontros com Luiza Bairros, ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), para discutir o chamado Plano de Ação Conjunta Brasil/Estados Unidos para Eliminação da Discriminação Étnica e Racial e a Promoção da Igualdade (Japer, em inglês, assinado em março de 2008 entre os dois países.

ENTREVISTA

(Concedida a Leonardo Cazes
leonardo.cazes@oglobo.com.br)

Responsável pelas políticas contra a discriminação em escolas e universidades americanas, a secretária adjunta de Educação para os Direitos Civis dos Estados Unidos, Russlynn Ali, é radical na sua posição sobre o bullying. Para ela, é preciso mudar a noção de que certas atitudes são normais e fazem parte do amadurecimento de crianças e adolescentes. Apesar da existência de leis federais contra a discriminação nas instituições de ensino, a secretária reconhece que uma efetiva mudança de postura dos agressores depende, em grande parte, do engajamento das próprias comunidades. Preocupada, ela resume o problema: “Estamos machucando nossas crianças.”
Em visita ao Brasil para promover um intercâmbio de conhecimento na área, Russlynn destaca semelhanças entre os dois países e fala sobre um grande desafio na educação americana: reduzir a diferença no nível de aprendizado entre jovens brancos e seus colegas negros e hispânicos. Como, em 2050, as atuais minorias serão majoritárias na população adulta dos Estados Unidos, a secretária adjunta crê que a igualdade de oportunidades não é apenas uma questão moral, mas também econômica e demográfica.

O GLOBO: Qual o maior desafio nos Estados Unidos, hoje, em relação aos direitos civis na educação?
RUSSLYNN ALI: O país está experimentando agora uma mudança demográfica muito grande.
A previsão é que, por volta de 2023, a maioria dos estudantes em escolas públicas seja negra ou hispânica. Em 2050, eles serão a maior parte dos adultos.
Quando você observa a diferença de aprendizado entre esses grupos e os brancos, constata que é imensa. Pelo menos um estudo já revelou que o nível de conhecimento em leitura e matemática de negros e hispânicos, no fim do ensino médio, é igual ao de brancos no fim do ensino fundamental. Esse abismo representa anos de aprendizado ruim. Isso não é mais só uma questão moral. É uma questão demográfica e econômica.
Se não acabarmos com essa diferença, devemos nos preocupar com nosso lugar na economia mundial.
Há alguma preocupação em particular nessa área?
RUSSLYNN: Não há um problema particular quando falamos de direitos civis na educação.
Trata-se de garantir a todos os estudantes o acesso às mesmas oportunidades, a bons professores, a todas as coisas que as pesquisas indicam como importantes para a educação pública. Se vamos acabar com essa diferença de aprendizado nos Estados Unidos, precisamos garantir que negros, hispânicos e pobres tenham o mesmo resultado dos brancos e ricos. É claro que precisamos acelerar o processo de quem ficou para trás. Mas também precisamos garantir que estamos ajudando todos os nossos estudantes a aprender mais, de forma que sejam capazes de fazer mais, para que entrem na universidade preparados e, depois, cheguem ao mercado com as habilidades necessárias.
Como avalia o problema do bullying nos Estados Unidos?
RUSSLYNN: Os estudantes vítimas de bullying se sentem inseguros e, por isso, não conseguem aprender. Nossas leis contra a discriminação, relacionadas a esse tema, garantem que os adultos têm responsabilidade.
Eles têm a obrigação de deter, repreender e evitar que aconteça novamente, sempre que a prática de bullying torne o ambiente ameaçador para a vítima.
Na nossa administração, trabalhamos para dar todo o suporte às instituições de ensino, de forma que elas possam entender o problema e agir. É preciso mudar a cultura desses lugares, que, muitas vezes, dá origem ao bullying. Ano passado, demos muita atenção aos suicídios juvenis, que ocorreram porque os estudantes eram vítimas.
Queremos garantir que isso não acontecerá novamente.
Há uma certa noção de que o bullying é normal?
RUSSLYNN: O presidente Obama reconhece que muita gente vê o bullying como um ritual de passagem. O que nós queremos é mudar esse paradigma. As leis ocupam um papel importante, mas também é preciso mudar a maneira como pensamos. A legislação enfoca uma situação muito grave, quando o próprio ambiente de aprendizado se torna uma ameaça. É preciso combater o bullying não só em situações- limite. Temos que compreender que a prática não é um ritual de passagem, não faz parte do crescimento ou da vida na escola. Estamos machucando as nossas crianças.
A mudança demográfica em curso agrava esse quadro?
RUSSLYNN: Não há apenas uma causa. Esses problemas não são restritos a conflitos entre negros e hispânicos ou negros e brancos. Há rivalidades dentro desses próprios grupos, especialmente no caso de nacionalidades diferentes.
Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, estudantes de uma mesma sala de aula são muito diferentes entre si. Como lidar com um grande contingente e, ao mesmo tempo, compreender as necessidades individuais?
RUSSLYNN: Não existe uma resposta certa. O fato é que há de se encampar a diversidade como um valor importante, ensinando tolerância. Estudantes não vêm etiquetados em caixas.
Nossa missão é garantir que todos consigam se formar na faculdade e seguir uma carreira.
Como fazemos isso? Baseando- nos naquilo de que eles precisam. Estamos coletando dados de uma maneira como nunca fizemos. Queremos compreender como cada estudante se desenvolve, para que possamos identificar os problemas e encontrar soluções.
A senhora acredita que ações afirmativas baseadas em critérios raciais podem gerar problemas?
RUSSLYNN: Esta é uma pergunta difícil de ser respondida, porque depende de como cada programa é implementado.
Aqui, eu tive a oportunidade de estar com pesquisadores, professores e com estudantes beneficiados por essas ações. Eles são jovens brilhantes, e pude ver as contribuições que já estão fazendo. Se não tivessem essa oportunidade, seria um desserviço, não só para eles, mas para a sociedade como um todo.
Não há apenas uma solução para acabar com as diferenças de acesso à educação superior, mas a política de ações afirmativas é uma delas. E fazer isso não é apenas uma questão moral.
É uma questão econômica e demográfica também.
Fonte: ANTONIO LUCIO/JORGE WERTHEIN, O GLOBOREVISTA AFRICAS.COM.BR

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